Em um intervalo de dois dias, o empresário Antonio Iafelice ganhou dois fortes argumentos para a pretensão de retornar ao cotidiano da Agrenco, empresa de agronegócios fundada por ele e que, assolada por dívidas que atualmente rondam R$ 1 bilhão, entrou em severa crise no início de 2008.
Ontem, a sétima turma do Tribunal Regional Federal da quarta região, em Porto Alegre, considerou inválidas as provas colhidas pela Operação Influenza, realizada pela Polícia Federal há pouco mais de dois anos para apurar suspeitas de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e corrupção, entre outros crimes. Iafelice e outras 23 pessoas foram presas na ocasião.
Na segunda-feira, um dia antes da decisão em Porto Alegre, Iafelice já tinha tido outra boa nova. Em assembleia, a companhia aprovou a inclusão de quatro novos membros em seu conselho de administração, todos apoiados pelo empresário. Como o conselho da empresa, agora com nove pessoas, já tinha Nils Bjellun, aliado de primeira hora de Iafelice, os apoiadores do empresário já ocupam a maioria dos assentos no corpo decisório da companhia. Um eventual retorno de Iafelice – um veterano do agronegócio, que chegou a presidir a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) – ao dia a dia da companhia teria necessariamente que passar pelo conselho.
O mundo empresarial de olho na Agrenco
A Agrenco atua no comércio internacional de soja, produto que é, por sua vez, o de maior peso na pauta brasileira de exportações, e também na indústria de biodiesel. A empresa pode não ser conhecida do grande público – a despeito de ela também atuar no processamento do grão, atividade com a qual se obtém, por exemplo, o óleo de soja, não existe um “óleo Agrenco” nas gôndolas dos supermercados –, mas os desdobramentos de sua longa crise têm sido acompanhados atentamente por segmentos diversos do mundo empresarial e das finanças.
Um dos motivos da atenção que a Agrenco desperta é o fato de ela ter sido uma das estrelas da onda de aberturas de capital na Bovespa em 2007, meses antes de a crise mundial ter interrompido uma série de outras operações do gênero. Na época, a companhia ainda não tinha uma única fábrica de processamento de soja, o que não a impediu de levantar R$ 660 milhões em sua oferta pública inicial de ações. Há, portanto, muita gente com papéis da companhia na mãos – o advogado Edgard Mansur Salomão, novo presidente do conselho de administração da empresa, é representante dos minoritários.
Deriva desse fator, o de a Agrenco ter sido uma das estrelas da Bovespa há menos de três anos, um segundo: o registro de companhia aberta da empresa está suspenso desde fevereiro. A suspensão ocorreu porque a companhia não publica seus balanços, como exigem as regras das companhias abertas, desde o primeiro trimestre de 2008. A suspensão se tornará definitiva se os demonstrativos não forem apresentados até fevereiro do ano que vem. Segundo especialistas, esse movimento pode ser uma grande mácula para o mercado de capitais, já que a Agrenco estreou na Bolsa diretamente no chamado Novo Mercado, grupo de empresas na Bolsa que se comprometem a seguir rígidas diretrizes de governança.
Além dos interesses dos acionistas, o caso da Agrenco desperta a cobiça de gigantes mundiais do mercado de alimentos e energia. Em 2009, como parte do processo de recuperação judicial em que ingressou no ano anterior, a Agrenco fechou uma parceria com a Glencore, que passou a cuidar da parte operacional da empresa brasileira. A multinacional de origem suíça (especializada no comércio internacional das chamadas commodities, produtos básicos – como minério ou grãos – usados para a produção de matérias-primas como aço ou farelo de soja) pode não ser reconhecida como a conterrânea Nestlé, mas é um colosso: seu faturamento anual é de cerca de US$ 150 bilhões. A receita operacional da Vale em 2009, por exemplo, foi de US$ 24 bilhões.
Concorrentes da Glencore (entre elas figura a norte-americana ADM) cobiçavam acesso ao patrimônio da Agrenco – e, em uma visão um pouco mais ampla, a um maior espectro do mercado brasileiro de grãos e biodiesel. A Agrenco tinha três fábricas de processamento de oleaginosas, todas inacabadas porque a crise abateu a empresa antes do fim das obras. Uma delas, em Marialva (PR), foi vendida como parte do processo de recuperação judicial da companhia. As outras duas, de Alto Araguaia (MT) e Caarapó (MS), aguardam injeção final de recursos para que, enfim, entrem em operação de forma definitiva. A pleno vapor, as duas unidades (que não apenas estão aptas a processar soja e outras oleaginosas, mas também a produzir biodiesel) teriam potencial de gerar faturamento anual de R$ 1,2 bilhão.
Operação policial sem validade
O interesse do mundo empresarial e financeiro pela Agrenco, por fim, tem também relação com os desdobramentos de uma, até o momento, malograda operação da Polícia Federal. O TRF4 não foi a primeira instância jurídica a julgar inválidas as provas obtidas na Operação Influenza. Em junho do ano passado, a juíza federal Ana Cristina Krämer já havia julgado a nulidade das provas. Parte das evidências foi obtida com escutas telefônicas autorizadas por um juiz estadual plantonista, que não tem competência para a função, segundo a decisão.
“Apresentei recurso à época, mas já havia dito também que minha esperança era nula, o que se confirmou agora”, disse ao iG Marcelo da Mota, procurador do Ministério Público Federal em Santa Catarina (onde se desenrolou boa parte da operação da PF) que em 2009 recorreu da decisão de primeira instância. O iG não conseguiu contato com o Ministério Público Federal em Porto Alegre. O iG também tentou no fim desta terça-feira, sem sucesso, contato com a Agrenco.
“A decisão do TRF mostra que ele (Iafelice) não tem nada de irregular no caso”, disse Jacinto Coutinho, advogado do empresário. Acionistas, conselheiros, sócios, mercado de capitais, concorrentes, exportadoras multinacionais, Polícia Federal e Ministério Público aguardam o próximo desenlace do enredo. E Iafelice também.
Patrick Cruz